nós: sebastião bc João Constantino

arquivos:



amigos: Lembrei-me/ Chover no Molhado/

Sunday, March 09, 2008

Apontei no papel para não ter de me lembrar para a próxima. A notícia deixou-me preocupado.
Mais preocupado do que ter acordado com a cara numa poça de água e mesmo assim só
despertar com o som do telefone a tocar.
Tinha de fazer alguma coisa. Entretanto tu chegaste e sentaste-te no meu sofá.
Limpei a cara, trocámos beijos e encostei-me à janela.
Deito a mão ao bolso, acendo a tua irmã e fumo-a como se da minha se tratasse.
A vista de Moscovo tem um cheiro a smog que já não existe e a minha visão em túnel
não me ajuda em nada. Porque tenho de encontrar solução. Não se fazem telefonemas assim.
Não se dizem estas coisas a um homem sem tecto.
E tu continuas sentada. A mastigar um pedaço de cotão encharcado ou uma merda qualquer.
Com tanta vodka boa que cá existe, foste trazer a pior zurrapa da loja da esquina.
Caí a noite e a minha vista acende-se, o neon troca de verde para azul na maior das
descontracções e eu descodifico a minha dor de cabeça da noite passada.
Como se tivesse vivido tão somente na noite passada, como se só tivesse decidido alguma coisa
na noite passada. Ah e quantas noites já passaram.
Vou à cozinha buscar qualquer coisa para acompanhar a vodka. Frito um bife, mas ainda
falava, ficou mal frito. Acabei por comer só a esparguete. E tu nada.
Quando vim da cozinha tinhas contornos de morsa. Uma morsa que levou as ligeiras
2 horas que passaram desde que acordei até à hora de jantar a mastigar um pedaço de
cotão ou uma merda qualquer.
Tocam à minha campainha, do lado de dentro, alguém que queria sair. Abri-lhes a porta,
despedi-me, agradeci, espirrei e disse para trazerem miúdas já despidas para a próxima.
Dá muito trabalho tirar-lhes a casca. E tu roncaste! E lembrei-me da tua forma de mulher.
Mas não, miúda, eu não tolero mais coisas de morsas.

João Constantino Silva, morreu esta madrugada em Moscovo, após o desabamento do soalho
de sua casa, podre da água das chuvas. O prédio onde habitava encontrava-se em mau
estado e João de 49 anos vivia sem tecto há mais de 15. A morte, no entanto,
não deixa de ter contornos bizarros. No andar por baixo, junto ao corpo da vítima
jazia uma morsa, cujo traumatismo craniano condizia com a garrafa de vodka ensanguentada na mão
do ex-proprietário do agora apartamento duplex. A perícia encontrou também um bilhete
no bolso do entretanto constituído arguido no caso de tráfico de animais exóticos.
No bilhete constava um número de telefone e a mensagem: "-- .- - .- -....- .- / .... --- .--- ."
João Constantino Silva dirigia a orquestra metropolitana de Moscovo desde 1976 e desde
Maio de 1982 até à presente data já se teria tentado suicidar 4 vezes, duas delas por
enfarte do miocárdio.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home