Só porque me apetece

Vou virar o volante e bater de frente. Só porque me apetece.
Quero morrer e tem de ser agora. Quero morrer porque o irreversível
injecta-me adrenalina nas veias. Tem de ser agora. Porque se não mato
esta sede de morte já, morro.
Não quero conselhos de merda. Não quero conversa fiada, não há tempo para isso.
Porque vou virar o volante agora. Já!!!
Vou bater no 10-CA-81 ou no 45-12-TX se demorar muito tempo. Tem quatro
ocupantes. Pode ser uma família feliz ou podem ser quatro transexuais chamados
Verónica, Virginia, Vénus e Victoria. Não interessa. Morrerão todos.

Quero sentir o metal a ranger, partindo-me lentamente os ossos e rasgando-me os músculos.
Sim, quero morrer à velocidade das repetições. E quero música.
Quero Sigúr Rós, quero trágico, porra quero ópera! Quero angústia e quero dor.
Quero vidros estilhaçados e sirenes a rasgar a noite.
Quero que anoiteça já, só mesmo para ver as sirenes de noite.
Na verdade quero que o choque comece de dia e acabe de noite.
Se o meu ranger de dentes for tão forte como espero que seja,
não precisam de chamar a minha família.
Tirem-me duas fotografias, uma agora e outra comigo deitado no chão, esventrado,
crânio partido e sorriso desfeito.
Ponham a segunda na necrologia. É porque apanha o meu melhor lado, o do enfarte
do miocárdio.