Cem palmos de solidão
Não foram exactamente cem anos. Foram cem palmos. Sem tirar nem pôr. Medidos com o amor à razão e à Verdade que nos assegura a existência de infinitos aquis e de uma "quantidade razoavelzinha de agoras", bem como de que uma árvore que cai faz sempre barulho quer lá estejamos para ouvir, quer não.
De qualquer maneira, não tinha mais nada para fazer e cem palmos contam-se facilmente, pelo menos para quem já foi às finanças e viu os alcóolicos imaginários que habitam no jardim interior do edifício. Aliás, cem palmos parecem mesmo um entretém demasiado rápido e fugaz, quando se está sozinho.
Mas a coisa é mesmo assim. Gostemos ou não, vivemos em função da Verdade, de uma verdade. E eu continuo a ser menosprezado por dizer que existem dezasseis continentes, dois dos quais subaquáticos e três pendurados da ponta de uma hera que tem as suas raízes algures na Ásia das monções. Por tudo isto e mais uma ou outra coizeca que filósofos dos Verdadeiros já catalogaram em livros de muitas páginas de muito papel, fui forçado a contar exactamente a quantos palmos estávamos, ainda que pudesse contar muitos mais palmos, pés ou léguas, durante a tua ausência. A cem palmos de solidão, podia ainda ver perfeitamente a tua cara. Faltavam-me só, nos braços e na língua, os palmos suficientes para te tocar.
Algures no purgatório, há um tipo com um nome esquisito que sofre com o mesmo suplício que eu. Aposto que, ao ver as notícias, deve pensar como teria sido mais fácil ir logo de uma vez, quem sabe, de enfarte do miocárdio.
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